O IRÃ e o Movimento dos Não Alinhados. Por BETO ALMEIDA. 9:46 em América Latina,Mídia,Política Internacional,
A
partir da próxima reunião de Cúpula do Movimento dos Países
Não-Alinhados, a realizar-se em Teerã no final de agosto, espera-se uma
substancial modificação na atuação deste grupamento que reúne 2/3 dos
membros da ONU, certamente com a recuperação das razões principais que
levaram ao seu nascimento: um fortalecimento da luta contra as formas de
neocolonialismo, a luta pela paz, contra o intervencionismo, em defesa
da soberania dos povos, da autodeterminação, da não intervenção e a
construção de um sistema econômico mundial mais justo e cooperativo. Tal
expectativa se deve em razão de que será o justamente o Irã o
presidente dos Não-Alinhados.
Não
é difícil entender que uma mudança substancial estará em curso. Para
isto basta recordar que o atual presidente dos Não-Alinhados é
exatamente o Egito, cujo governo, até Mubarack, mantinha
alinhamento-submissão aos interesses dos EUA para região do Oriente
Médio, particularmente na proteção dos interesses israelenses , com quem
o governo Mubarack mantinha, aliás, um acordo especialíssimo de
cooperação política e energética. Tudo isto, já está em questão a partir
da revolta das massas egípcias e da eleição do presidente Musri – que
já declarou pretender operar uma reorientação política em relação à
causa Palestina e também no relacionamento com o Irã – e ganha outra
dimensão a partir
das novas funções que a nação persa passará a assumir na liderança do
Movimento dos Não-Alinhados. com seus 130 países membros.
Mais envergadura
Foi
possível constatar a importância do novo cenário que está sendo
desenhado na região a partir do que foi discutido na I Conferência
Científica Internacional do Movimento dos Não-Alinhados ocorrida em
julho deste ano em Teerã, quando as principais lideranças iranianas
presentes debateram com cientistas, intelectuais e jornalistas de várias
partes do mundo que estiveram presentes a este conclave organizado pelo
Ministério da Cultura do Iran.
O
Irã prepara-se para uma atuação política internacional com ainda maior
envergadura. Se já é um dos polos centrais para estimular a formação de
um campo de cooperação econômica de oito países da região, incluindo a
Turquia, o Afeganistão e o Paquistão entre outros – motivo de
preocupação para os EUA -, se já também toma iniciativas de cooperação
econômica com a América Latina, especialmente em projetos de
industrialização na Venezuela, Equador, Nicarágua, Bolívia e Cuba, a
partir de sua liderança no Movimento dos Não-Alinhados estará em
condições articular-se com uma gama enorme e variada de países que
integram este movimento, o que frustra as mais reiteradas tentativas
imperiais de isolar
a nação persa.
O
salto é brusco: sob a presidência do Egito, o neocolonialismo
impositivo praticado pelas potências capitalistas que autodeclaram
democráticas, atuava para neutralizar qualquer ação cooperativa,
articulada, solidária do MNA. E justamente quando o campo imperialista
eleva a escalada de sanções contra o Irã, visando isolá-lo para que se
renda à regra do jogo dos gigantes, os herdeiros da milenar civilização
de Persépolis e Pasárgada assumem a presidência do MNA. Ao mesmo tempo
em que o patético Ban-Ki-Moon apela ao Irã para que assuma um papel
relevante no grupo de negociadores para tentar uma solução para a
dolorosa crise na Síria, causada fundamentalmente pela ingerência
estrangeira, centralmente dos E
UA, Inglaterra e da França, que sob Hollande, ainda não se desvencilhou
de muitas políticas de Sarkozy, especialmente no que tange ao
imperialismo francês para África e Oriente Médio. E em relação à Síria,
tanto o Iran, como a Rússia e a China estão posições ativas contra uma
intervenção externa, diferente do ocorrido em outras situações de crise.
Recados
Sob
a presidência do Egito de Mubarack era impossível que o MNA tivesse
alguma sintonia com os ideais do Marechal Tito, Sukarno , Nasser e
Neruh, seus principais inspiradores. Trata-se, portanto, de uma derrota
para o império que o Irã assuma tão relevante função e já anuncie, pelas
palavras de seus mais representativos dirigentes presentes à
Conferência, que caminhará no sentido de um maior protagonismo político
internacional. Entre as metas já reveladas, confirmando este
protagonismo, estão a busca de uma unidade entre os próprios integrantes
do Movimento, o estímulo a uma cooperação econômica e a medidas que
conduzam a novas relações internacionais sem submissão aos países
imperiais mergulhados em cr
ise. Estes recados foram claramente enviados por Ali Akbar Velayati, o
mais importante Conselheiro do aiatolá Ali Kamenei, líder supremo da
nação e, anotem, tido como um forte candidato presidencial nas próximas
eleições. Akbar também não deixou escapar a oportunidade e manifestou
apoio à candidatura do Brasil a uma cadeira como membro permanente do
Conselho de Segurança da ONU.
Aliás,
o apoio iraniano ao Brasil deveria estimular uma reflexão no governo
Dilma, mas especialmente no PT, sobre o Brasil continuar sendo apenas um
pálido observador do Movimento dos Não-Alinhados, quando a política
externa traçada no governo Lula visa, também, uma maior cooperação
sul-sul. O apoio iraniano veio no mesmo evento em que muitos iranianos
me indagavam se tinha havido uma mudança na política do Brasil para o
Irã, de Lula para Dilma, face o presidente Ahmadinejad não ter sido
recebido em audiência pela mandatária brasileira quando em sua
participação na Rio + 20 , no Rio de Janeiro. Lembrei que muitos outros
presidentes também não puderam ser recebidos por Dilma, rigorosamente
por questões de a
genda, e lembrei que as relações comerciais entre Brasil e Irã seguem
ampliando-se no atual governo. Mas, obviamente, o Brasil não deve
dispensar uma maior prioridade nas suas relações com o governo
Ahmadinejad , que destaca sempre ser um amigo de Lula.
Sanções
Tanto
o chanceler iraniano, Ali Akbar Salehi, como o Ministro da Economia,
referiram-se à conjuntura internacional, à crise dos países
capitalistas, à necessidade de um novo sistema internacional e também às
sanções de que o Irã é alvo, uma vez mais. O jornalismo econômico
iraniano, até ironiza países como a França que participam das sanções,
mencionando que Hollande quer anular as oito mil demissões na indústria
automobilística francesa, sem se lembrar que é exatamente o Irã um dos
maiores compradores de automóveis daquele país. Os líderes iranianos
lembram que, na verdade, o País está sob sanções ilegais e prepotentes
desde a Revolução Iraniana, de 11 de fevereiro de 1979, quando as
reservas in
ternacionais do país, de cerca de 100 bilhões de dólares, foram
bloqueadas pelos bancos internacionais, sob o tacão de ferro do império
anglo-saxão. Ou seja, não é de hoje.
Salto industrial e tecnológico
De
lá para cá, o Irã transformou-se profundamente. Registra um enorme
avanço em seu desenvolvimento industrial e tecnológico. Exatamente na
semana em que ocorreu esta Conferência, o presidente Ahmadinejad
inaugurou uma moderníssima indústria de locomotivas, toda ela com
tecnologia própria. Enquanto o Irã avança no transporte ferroviário, com
autonomia tecnológica, o Brasil ainda continua sob velha relação,
vendendo minério-de-ferro e importando trilhos. Na mesma semana, os
persas anunciaram o lançamento de um satélite totalmente fabricado com
tecnologia iraniana, com uma novidade: o aparato, pesando 47 quilos,
para estar situado a 400 km, pode mudar de orbita a partir de comando
terrestre. Esses avanços tec
nológicos, logo após a defesa iraniana ter assumido o comando de
navegação do Drone dos EUA que estava ilegalmente bisbilhotando seu
território, fazendo-o baixar no aeroporto escolhido, realmente, deixou
os gringos fora de órbita, pois não imaginavam que seu sistema de
navegação poderia ser penetrado e, muito menos comandado, pelos
espionados.
Vale
lembrar que estes saltos tecnológicos ocorrem num país que está sob
cerco hostil há 33 anos, que foi submetido a uma guerra de 8 anos com o
Iraque, estimulado pelos EUA e que, apesar de tudo, exibe grau de
progresso econômico, tecnológico, educacional, social e cultural (o cine
iraniano acaba de receber mais um prêmio internacional. O que deveria
promover uma reflexão nas forças progressistas internacionais, que
também são alvo de uma sofisticada desinformação imperial que demoniza o
Irã.
Imperador negro
Aliás,
grata surpresa é o jornalismo praticado por duas emissoras
internacionais construídas pelo Irã para , legitimamente, defender suas
razões históricas : a Hispantv, que transmite em espanhol e começou a
operar em sinal aberto no Equador, desde a semana passada, e a Press-TV,
emissora que transmite em inglês, que já teve seus escritórios em
Londres fechados pelo governo inglês que se autoproclama campeão da
liberdade de expressão. Nesta emissora, pude assistir ao vivo o comício
de Hezbolah no Líbano, quando o seu líder disse que Israel participa das
agressões à Síria e que ainda não se recuperou da derrota sofrida na
guerra dos 33 dias, em 2006, quando a resistência armada obrigou as
tropas israelense
s a retirar-se de território libanês. Num outro documentário, sobre
ação dos drones dos EUA na Ásia, uma estatística mostra quantos civis
esta macabra engenhoca vem matando por ali, inclusive crianças,
indicando que sob o imperador negro Barack “Obomba”, o número de ataques
e de mortos multiplicaram-se por quatro, comparando com o troglodita
Bush. É da natureza histórica do império matar, destruir, sabotar,
qualquer que seja a cor da pele do ocupante da Casa Branca.
Audácia
A
grande expectativa se volta agora para que iniciativas o Movimento dos
Não-Alinhados, sob a presidência iraniana, poderá adotar. A julgar pelas
iniciativas de cooperação econômica na esfera regional, estas não devem
ser poucas, apesar da problemática heterogeneidade do MNA. Para que se
tenha uma idéia da audácia persa, basta citar que os três países que são
alvo direto de operações militares dos EUA na região, Iraque,
Afeganistão e Paquistão, apesar da presença militar ianque, estão
desenvolvendo fortes relações de comércio e de cooperação com o Irã.
Especialmente o Iraque, o que simboliza uma gigantesca derrota
estratégica dos EUA. E também explica a continuidade destas macabras
explosões quase
que diárias neste país, apesar do anúncio da retirada das tropas.
Mesmo assim, o que vale ressaltar é a derrota imperial: por aqui, a
Venezuela ingressa no Mercosul; lá, o Iraque torna-se importante
parceiro comercial do Irã, com quem já havia guerreado antes.
Solidariedade
Como
me deram palavra, além de expressar solidariedade aos anfitriões pelas
sanções que sofre, sugestões foram apresentadas para que o Irã e o MNA
desenvolvam mais e mais esforços de integração e de cooperação com a
América Latina. Sugestões que foram reforçadas pelo representante de
Cuba nesta Conferência, o experiente jornalista e escritor, Hedelberto
Blanch, que lembrou que a região já não está mais sob o controle
absoluto dos EUA, que há vários governos progressistas e populares,
tendo citado os do Brasil, Venezuela, Equador, Nicarágua, Bolívia,
Uruguai, Argentina. Blanch também lembrou que Cuba, como Irã, está
permanentemente sob sanções, desde o início da Revolução Cubana, o que
não lhe i
mpediu um progresso social imenso e a prática de solidariedade
concreta, seja em saúde ou educação, com vários países do mundo, muitos
deles integrantes do MNA, que Cuba já presidiu.
Integração
Lembrei
ainda que a generosa solidariedade que Cuba presta ao povo do Haiti em
saúde conta com a parceria do Brasil que lá instalou equipamentos,
estruturas, enviou medicamentos e até médicos militares. Citei que há
uma cooperação entre Brasil-Cuba e o Timor Leste para que os estudantes
timorenses que se formam em medicina na Ilha, antes de voltarem a Dili,
façam uma especialização em medicina tropical na Fundação Oswaldo Cruz,
no Rio de Janeiro, e que estas modalidades de cooperação poderiam ser
ampliadas e enriquecidas com a participação do Irã, país detentor de
grande progresso na indústria de medicamentos. Além disso, lembrei que
enquanto o Presidente Ahmadinejad estava exatamente naquele dia
inauguran
do uma indústria de locomotivas, os países do Mercosul, agora
fortalecidos com o ingresso da Venezuela e a suspensão do Paraguai,
possuem uma infra-estrutura de transporte, ferroviária ou hidroviária,
bastante precária e insuficiente, devastada pela privatização
neoliberal, a mesma ideologia que impõe sanções contra os persas.
Citamos ainda a experiência da Unila – Universidade de Integração da
América Latina e a Unilab – Universidade da Integração Luso-Africana e
Brasileira, duas criações de Lula – o amigo de Ahmadinejad – que
garantem ensino gratuito para estudantes latino-americanos e africanos
carentes, junto com os brasileiros, numa formação que alavanca técnica e
culturalmente a integração, a solidariedade. Estas duas experiências,
além da Escola Latino-americana de Medicina, de Cuba, poderiam servir de
exemplos inspiradores e de polos de apoio para criação de iniciativas
similares no âmbito do Movimento dos Não-Alinhados.
Nova ordem informativa
Finalmente,
toda esta nova etapa de um Movimento dos Não Alinhados sob a
presidência persa, marcada por uma esperança viva de que supere os
alinhamentos submissos e paralisantes, a serem substituídos por
iniciativas concretas de cooperação e solidariedade sem intimidar-se
ante as inevitáveis sabotagens imperiais, requer um novo fluxo de
informação, sem verticalidade colonial, sem manipulações dos oligopólios
da guerra. Assim, junto com muitos delegados, lembramos todos que a
Nova Ordem Informativa Internacional, bandeira que os Não-Alinhados
defenderam corajosamente no passado, continua sendo uma necessidade
inadiável, imprescindível, atualíssima. Para que os MNA sejam parte
protagonista de uma mensagem clara
à humanidade defesa de um sistema internacional cooperativo, capaz de
democratizar a ciência e a tecnologia, e também de fazer a
democratização informativo-cultural uma ferramenta civilizatória,
humanizadora.
Beto Almeida, jornalista * Participou da I Conferência Científica Internacional do Movimento dos Não Alinhados
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