terça-feira, 24 de maio de 2011

DALLARI LANÇA SEU ARTIGO MAIS CONTUNDENTE SOBRE O CASO BATTISTI

20/5 - DALLARI lança seu artigo mais contundente sobre o Caso BATTISTI

Celso Lungaretti (*)

Dalmo Dallari denuncia: a competência do Supremo Tribunal Federal para decidir sobre o pedido de extradição de Cesare Battisti está esgotada e, ao "fingir" o contrário, o STF incorre numa "simulação jurídica que agride a Ética e o Direito".
Segundo ele, simula-se que o processo esteja "pendente de decisão do Supremo Tribunal, para saber se Battisti será ou não extraditado", quando, na verdade, já houve "decisão transitada em julgado".
Como consequência, ao "manter Battisti na prisão, sem que haja qualquer fundamento legal para isso", o STF comete "ato de extrema violência", agravada pela "farsa processual" que "desmoraliza a Suprema Corte brasileira".
Tido como o maior jurista brasileiro vivo, Dallari manifesta sua indignação no artigo Prisão ilegal de Battisti: uma farsa jurídica.
O professor catedrático da Unesco lembra que o Supremo, em novembro de 2009, autorizou o presidente da República a pronunciar a palavra final no caso, "com o reconhecimento expresso de que é da competência privativa do Chefe do Executivo a decisão de atender ou negar o pedido de extradição e com a observação de que deveria ser levado em conta o tratado de extradição assinado por Brasil e Itália".
Então, acrescenta Dallari, "estava encerrada aí a participação, legalmente prevista e admitida, do STF no processo gerado pelo pedido de extradição".
A partir, entretanto, da decisão "inatacável" do presidente Lula de não extraditar Battisti, foi cometida uma "dupla ilegalidade, configurada na manutenção da prisão de Battisti e na farsa de continuação da competência do STF para decidir sobre o mesmo pedido de extradição sobre o qual já o Tribunal já decidiu, tendo esgotado sua competência".
Dallari é incisivo:
"Não existe possibilidade legal de reforma dessa decisão pelo STF e não passa de uma farsa o questionamento processual da legalidade da decisão do Presidente da República por meio de uma Reclamação, que não tem cabimento no caso, pois não estão sendo questionadas a competência do Supremo Tribunal nem a autoridade de uma decisão sua, sendo essas as únicas hipóteses em que, segundo o artigo 156 do Regimento Interno do Supremo Tribunal, cabe a Reclamação".
Tão evidente é, no seu entender, a falta de fundamento legal, que Dallari atribui a tramitação desta Reclamação à "finalidade óbvia, mesquinha e imoral, de manter Cesare Battisti preso por muito mais tempo do que a lei permite".
Daí a sua conclusão sobre o desfecho do caso (previsto para a próxima semana ou a seguinte):
"Em respeito ao Direito e à Justiça e para a preservação da autoridade e da dignidade do STF impõe-se o arquivamento da descabida Reclamação e a imediata soltura de Cesare Battisti, fazendo prevalecer os princípios e as normas da ordem jurídica democrática".
* Jornalista e escritor. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com



PRISÃO ILEGAL DE BATTISTI: UMA FARSA JURÍDICA


Dallari: com sua competência já esgotada,
STF submete Battisti a extrema violência.
Por Dalmo Dallari (*)
Fingir que o Supremo Tribunal Federal ainda pode decidir sobre o pedido de extradição de Cesare Battisti formulado pelo governo italiano não passa de uma farsa processual, uma simulação jurídica que agride a Ética e o Direito.
E manter Battisti na prisão, sem que haja qualquer fundamento legal para isso, é ato de extrema violência, pois além da ofensa ao direito de locomoção, reconhecido e proclamado como um dos direitos fundamentais da pessoa humana e garantido pela Constituição brasileira, em decorrência da prisão ilegal todos os demais direitos fundamentais da vítima da ilegalidade são agredidos.
Basta lembrar, entre outros, o direito à intimidade, o direito à liberdade de expressão e os direitos inerentes à vida social e familiar, todos consagrados e garantidos pela Constituição brasileira e cujo respeito é absolutamente necessário para preservação da dignidade humana.
E a simulação de um processo pendente de decisão do Supremo Tribunal, para saber se Battisti será ou não extraditado, o que já teve decisão transitada em julgado, agrava essa violência e desmoraliza a Suprema Corte brasileira.
Na realidade, o Supremo Tribunal já esgotou sua competência para decidir sobre esse pedido quando, em sessão de 18 de novembro de 2009, tomou decisão concedendo autorização para que o presidente da República pronunciasse a palavra final, com o reconhecimento expresso de que é da competência privativa do chefe do Executivo a decisão de atender ou negar o pedido de extradição e com a observação de que deveria ser levado em conta o tratado de extradição assinado por Brasil e Itália. Estava encerrada aí a participação, legalmente prevista e admitida, do Supremo Tribunal Federal no processo gerado pelo pedido de extradição.
Depois disso, em 31 de dezembro de 2010, o presidente da República, no exercício de sua competência constitucional privativa, tornou pública sua decisão de negar atendimento ao pedido de extradição de Cesare Battisti. E aqui se torna evidente a dupla ilegalidade, configurada na manutenção da prisão de Battisti e na farsa de continuação da competência do Supremo Tribunal Federal para decidir sobre o mesmo pedido de extradição sobre o qual já o Tribunal já decidiu, tendo esgotado sua competência.

Battisti: submetido há 4 anos a um tipo de
  prisão preventiva que agora não tem mais motivo
Com efeito, a legalidade da decisão do presidente Lula, negando a extradição de Cesare Battisti pretendida pelo governo italiano, é inatacável. O presidente decidiu no exercício de suas competências constitucionais, como agente da soberania brasileira e a fundamentação de sua decisão, claramente enunciada, tem por base disposições expressas da Constituição brasileira e das normas legais relativas à extradição, como também do tratado de extradição assinado por Brasil e Itália.
Não existe possibilidade legal de reforma dessa decisão pelo Supremo Tribunal Federal e não passa de uma farsa o questionamento processual da legalidade da decisão do presidente da República por meio de uma Reclamação, que não tem cabimento no caso, pois não estão sendo questionadas a competência do Supremo Tribunal nem a autoridade de uma decisão sua, sendo essas as únicas hipóteses em que, segundo o artigo 156 do Regimento Interno do Supremo Tribunal, cabe a Reclamação. Apesar da evidente falta de fundamento legal, a Reclamação vem tramitando com a finalidade óbvia, mesquinha e imoral, de manter Cesare Battisti preso por muito mais tempo do que a lei permite.
Quanto à prisão de Battisti, que já dura quatro anos, é de fundamental importância lembrar que se trata de uma espécie de prisão preventiva, que já não tem cabimento. Quando o governo da Itália pediu a extradição de Battisti teve início um processo no Supremo Tribunal Federal, para que a Suprema Corte verificasse o cabimento formal do pedido e, considerando satisfeitas as formalidades legais, enviasse o caso ao presidente da República. Para impedir que o possível extraditando fugisse do País ou se ocultasse, obstando o cumprimento de decisão do chefe do Executivo se esta fosse concessiva da extradição, o presidente do Supremo Tribunal Federal determinou a prisão preventiva de Battisti, com o único objetivo de garantir a execução de eventual decisão de extraditar. Não houve qualquer outro fundamento para a prisão de Battisti, que se caracterizou, claramente, como prisão preventiva.
Em 18 de novembro de 2009 o Supremo Tribunal decidiu conceder a autorização, o que foi comunicado ao chefe do Executivo com o reconhecimento expresso de que tal decisão não impunha ao presidente a obrigação de extraditar e a observação de que deveria ser considerado o tratado de extradição celebrado por Brasil e Itália. É importante ressaltar que cabe ao presidente da República “decidir” e não aplicar burocraticamente uma decisão autorizativa do Supremo Tribunal, o que implica o poder de construir sua própria convicção quanto ao ato que lhe compete praticar, sem estar vinculado aos diferentes motivos que levaram cada Ministro da Suprema Corte a votar num determinado sentido.

O STF só autorizou a extradição, cabendo a
Lula decidir se a queria ou não determinar.
Em 31 de dezembro de 2010 o presidente da República tomou a decisão final e definitiva, negando atendimento ao pedido de extradição, tendo considerado as normas constitucionais e legais do Brasil e o tratado de extradição firmado com a Itália. Numa decisão muito bem fundamentada, o chefe do Executivo deixou claro que teve em consideração os pressupostos jurídicos que recomendam ou são impeditivos da extradição.
Na avaliação do pedido, o presidente da República levou em conta todo o conjunto de circunstâncias políticas e sociais que compõem o caso Battisti, inclusive os antecedentes do caso e a situação política atual da Itália, concluindo que estavam presentes alguns pressupostos que recomendavam a negação do pedido de extradição. Decisão juridicamente perfeita. Desde então, a prisão preventiva de Cesare Battisti perdeu o objeto, não havendo qualquer fundamento jurídico para que ele continuasse preso. Cesare Battisti deveria ter sido libertado imediatamente, em respeito ao Direito e à Justiça.
Por todos esses motivos e fundamentos, fica evidente que a continuação da discussão do pedido de extradição de Battisti no Supremo Tribunal Federal e sua manutenção na prisão não têm qualquer fundamento jurídico, só encontrando justificativa na prevalência de interesses contrários à ética e ao Direito. Em respeito ao Direito e à Justiça e para a preservação da autoridade e da dignidade do Supremo Tribunal Federal impõe-se o arquivamento da descabida Reclamação e a imediata soltura de Cesare Battisti, fazendo prevalecer os princípios e as normas da ordem jurídica democrática.
* Dalmo de Abreu Dallari é professor emérito da Faculdade de Direito da USP e professor catedrático da Unesco na cadeira de Educação para a Paz, Direitos Humanos e Democracia e Tolerância

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