Adriano Benayon*
Crescem
os protestos contra as intoleráveis injustiças sofridas pelos povos em
grande parte deste mundo. Na Espanha, na Itália, na Grécia e em Portugal
surgem grandes manifestações, desencadeadas pelo brutal aumento dos
sacrifícios exigidos dos já sacrificados, pelo Fundo Monetário
Internacional e pelo Banco Central Europeu, a fim de beneficiar bancos
europeus e estadunidenses.
Experiência
semelhante foi suportada, muitas vezes, por países latino-americanos.
Entre eles o Brasil, que está menos distante do que imagina de mais uma
crise nas contas externas, acompanhada de agravamento das já degradadas
condições de vida da maioria de sua população.
Merecem
atenção também as manifestações de resistência civil nos EUA e Reino
Unido (Inglaterra), sedes da oligarquia financeira que comanda a tirania
mundial. Especialmente, o “Ocupemos Wall Street”
aponta para o alvo correto: os grandes bancos internacionais, cujos
controladores e associados dominam não só as finanças, mas também o
petróleo, os armamentos, a grande mídia, a indústria
químico-farmacêutica etc.
Em
suma: os concentradores do poder econômico-financeiro exercem
absolutismo político cada vez maior, mandando nos governos
“democráticos” eleitos pelo dinheiro e pela mídia. Esses não passam de
gerentes da “democracia” e do cinismo que dá esse nome à tirania e que
chama de liberdade a opressão, e de defesa de direitos humanos o
genocídio cometido contra nações com armas de destruição de massa.
Se,
em muitos países há alguma consciência da fonte do problema, no Brasil o
povo parece anestesiado pelo ópio da TV enganadora. Os governistas
pintam tudo de cor de rosa, como se não houvesse razão para
manifestações contrárias ao status quo, enquanto oposicionistas, ainda
mais submissos ao império, tentam capitalizar o élan dos indignados com a
corrupção.
Os
promotores das marchas “contra a corrupção” não entendem ou fingem não
entender que – embora ela seja praticada por políticos e por muitos do
serviço público – a mega-corrupção começa no setor privado,
especialmente nas transnacionais sediadas no exterior, grandes
beneficiárias das políticas públicas implantadas no País desde 1954.
A
partir de então e crescentemente, tornou-se legal. e não identificada
como corrupção, a mega-corrupção que entrega o mercado brasileiro à
exploração de cartéis e oligopólios e que desnacionalizou o setor
produtivo privado, além de privatizar a quase totalidade das empresas e
bancos estatais e de pôr o que restou do setor público ao inteiro
serviço das grandes empresas, principalmente estrangeiras.
O
Brasil só faz figura de potência emergente para quem gosta de se
iludir. A pobreza da grande maioria e também o atraso relativo do País
resultam do modelo de dependência financeira e tecnológica. Ele não foi
implantado por equívoco, mas de caso pensado: foi desenhado para isso,
sob a influência e a pressão das potências imperiais que intervieram em
1954, 1961, 1964 e organizaram, entre 1982 e 1988, a pretensa volta ao
“regime democrático”
A
concentração da economia nas mãos das transnacionais só poderia dar no
que deu: recorrentes crises nas contas externas, que geraram a dívida
externa. Quando esta e seus juros se avolumaram, a ponto de levar à
inadimplência forçada e ao consequente freiamento de sua expansão (final
dos anos 70, início dos 80), despontou, em perene crescimento, a dívida
pública interna.
Esta
constitui enorme fardo, que inviabiliza o desenvolvimento do País,
reduzindo a níveis ridículos os investimentos da União Federal e dos
Estados. Aquela assumiu as dívidas destes e lhes exige juros tão
absurdos como os que ela própria paga ao sistema financeiro.
Formou-se
assim o esquema de quádrupla sugação dos brasileiros: a primeira, pagar
impostos altíssimos e mal distribuídos: os pobres (mais de 83% da
população) entregam mais de 30% do que ganham; os de renda média (menos
de 15% da população) têm carga tributária acima de 50%, e as grandes
empresas, bancos e outros investidores, além de poder evadir impostos,
só são tributados nos ganhos financeiros em, no máximo, 15%.
A
segunda sangria é as pessoas gastarem elevadas quantias com serviços
que deveriam ser públicos, gratuitos ou módicos, nas áreas de saúde,
educação etc., além de sofrerem prejuízos com saneamento e transportes
inadequados e com energia injustificadamente cara, devido às
privatizações e à falta de investimentos públicos na infra-estrutura que
ainda lhe cabe prover.
Os
pobres e a classe média são mal atendidas ou nem o são, porque não têm
como pagar clínicas, hospitais e escolas privadas, de qualidade, de
resto, questionável e favorecidas pelo mercado com que o Estado lhes
presenteia ao não proporcionar esses serviços à sociedade.
A
terceira sugação são os juros escorchantes, múltiplos da taxa SELIC dos
títulos públicos, de longe a mais alta do mundo, com 5,5% aa.,
corrigida a inflação. Chegam a cerca de 240% aa. no cartão de crédito,
180% no cheque especial e a 90% em empréstimos a pequenas empresas.
A
quarta é adquirir bens e serviços a preços muitíssimo mais altos que os
praticados em países mais dotados de indústrias intensivas de
tecnologia, e mesmo que na Argentina, México e outros latino-americanos.
Exemplo
gritante é a indústria automobilística transnacional favorecida com
subsídios escandalosos desde o golpe de 1954, aumentados por JK. Isso
prossegue, até hoje, com empréstimos do BNDES a juros baixos e n outras
benesses prestadas às transnacionais em geral.
De
fato, elas se cevam também com incríveis subsídios à exportação, desde o
final dos anos 60 (Delfim Neto), – isentadas de gravames em suas
superfaturadas importações – bem como com a isenção do ICMS na
exportação, presenteada pela Lei Kandir/Collor. Cresceram no Brasil com
capital formado no próprio mercado brasileiro e com dinheiro público.
Este
ano, em oito meses, só as montadoras de veículos transferiram ao
exterior mais de US$ 4 bilhões em lucros registrados, o que não inclui
os ganhos com o subfaturamento de exportações e o superfaturamento de
importações, nem os serviços superfaturados ou fictícios pagos às
matrizes.
Agora,
e mais uma vez, as montadoras estrangeiras foram agraciadas com
proteção à “indústria nacional”, mediante elevações do IPI para veículos
importados, alegadamente para evitar a “invasão” de carros chineses e
coreanos. As montadoras aqui instaladas estão livres do IPI majorado,
utilizando 65% de componentes produzidos no MERCOSUL. A reserva de
mercado, que não existe para a indústria nacional, mesmo porque acabaram
com ela, tornou-se política governamental para favorecer os
“investimentos diretos estrangeiros – IDES”.
Os
IDEs estão na raiz dos problemas, inclusive o da dívida interna, cujos
juros são a expressão maior da submissão do País à escravização
financeira, em nível injustificável conforme os parâmetros que balizam
as taxas em todo o mundo. Por isso, a dívida adveio da capitalização de
juros, estando os bancos e os aplicadores financeiros entre os grandes
beneficiários do modelo econômico e político que inviabiliza o Brasil
como nação.
Para
concluir: sem liderança capaz de compreender as grandes sugações e de
identificar os causadores delas, não há como fazer que qualquer
movimento popular leve às transformações que se impõem, por mais que
ganhe ímpeto em função das insuportáveis condições de vida do povo.
* Adriano Benayon é Doutor em Economia e autor de “Globalização versus Desenvolvimento” abenayon.df@gmail.com
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