terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Grécia, os EUA e o golpe neoliberal

Vila Vudu...
Já somos todos gregos (em graus diferentes) 

Grécia, os EUA e o golpe neoliberal 

“Essa ‘conversão’ de dívidas privadas em dívidas públicas é ‘item’ que nunca falta nos ‘planos’ neoliberais.”

E onde tantos tanto falam de“políticas de austeridade”, deve-se dizer sempre “políticas de arrocho”: é o que são, arrocho; ‘austeridade’ é coisa muito diferente. [NTs]
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Desde os primeiros momentos da calamidade econômica que desabou sobre o ocidente em 2007, a resposta ‘oficial’ sempre foi apresentada como sucessos modestos, com alguns poucos erros políticos. A realidade é outra: o que se tem é uma elite distante e seus agentes dedicados a aplicar políticas punitivas sob o disfarce de limitações econômicas materiais. Nesse contexto, a eleição de Alexis Tsipras e da coalizão “Syriza” na Grécia parece ser uma virada radical à esquerda, enquanto as propostas econômicas realmente apresentadas e que estão sendo discutidas não passam de ideias de economia de manual de meio-de-percurso que precederam o golpe neoliberal dos anos 1970s nos EUA. E, embora o ministro Tsipras entenda muito mais dessa economia[1] e de estratégias de decisão econômica que os líderes da União Europeia e dos EUA, as alavancas do poder permanecem presas firmemente em mãos desses líderes que lideram para o desencaminhamento.

Dito de outro modo, o sofrimento econômico de tantos é gratuita, violenta predação econômica executada sob o falso pretexto de inexistentes pressões materiais. Como no caso da Argentina, no início dos anos 2000s, a Grécia tinha uma ‘cleptocracia’ nativa, ou ‘interna’, ligada numa aliança ‘externa’ a banqueiros internacionais, mediante mecanismos econômicos para promover o endividamento do país.

O governo dos EUA poderia, se quisesse, ter expulsado os fundos “cheios de vento”, para gerar empregos para os norte-americanos desempregados, mas escolheu não o fazer. No caso da Grécia, essa solução potencial é impossível, porque a Grécia é membro da União Europeia, sob condições que impedem esse procedimento. Foi em larga medida o que se viu no ‘alívio’ das hipotecas, com  os programas do Federal Reserve para comprar patrimônio nos EUA. Mas empréstimos subsequentes dos europeus aos gregos só ajudaram a reconstruir os cofres dos banqueiros europeus montados às costas do povo grego.

[Gráfico em
http://www.counterpunch.org/wp-content/dropzone/2015/01/uriegreece1.jpg]
Gráfico (1) acima: em dezembro, 2014, estima-se que haja mais de 6 milhões de trabalhadores potenciais nos EUA, gente que quer trabalhar mas desistiu de procurar por causa do mercado de trabalho completamente adverso. O Economic Policy Institute (EPI) comparou estimativas de crescimento do mercado de trabalho e o crescimento real, e descobriu esses 6 milhões de trabalhadores. Porque esse método já levava em conta os aposentados previstos e outros que se previa que deixassem o mercado de trabalho, resta a economia, para explicar o altíssimo número de desempregados. Como FDR mostrou com os programas de trabalho do New Deal nos anos 1930s, o governo dos EUA pode criar empregos para os norte-americanos, se desejasse fazê-lo. Muito semelhante ao que se constata no modo como a elite alemã vê o povo grego, a elite norte-americana também pressupõe que os desempregados estejam desempregados por falta de motivação e empenho para encontrar trabalho. Fonte: EPI.
A ascensão da coligação Syriza na Grécia é desenvolvimento bem-vindo, se o Sr. Tsipras e seu governo compreenderem bem contra o que estão lutando, e agirem adequadamente. Seja sincero ou apenas tático-eleitoral o compromisso de não se retirar da União Europeia, fato é que as regras da UE proíbem inúmeras ações na economia grega, mesmo que sejam de simples organização interna da economia nacional. Reorganização da economia grega, pôr rédeas na cleptocracia e fazer os cleptocratas pagarem, usando esse dinheiro para melhoramentos sociais, é ideia que colide cabeça com cabeça contra as políticas de exploração máxima que a troika vive de infligir à Grécia.

O que os liberais ocidentais chamam de ‘austeridade
[de fato, são políticas DE ARROCHO. “Austeridade”, traço típico de quem é “austero” é coisa completamente diferente do que dizem banqueiros, ‘especialistas’ de academia e ‘analistas’ na imprensa-empresa, metidos a entender de tuuuuuuuuudo. Mais um golpe ‘de narrativa’, no qual muita gente boa cai, sem nem perceber (NTs)], pode também ser interpretado pela experiência do último meio século de políticas de arrocho [sempre ditas ‘austeras’] que o Fundo Monetário Internacional, FMI, impôs em vários pontos do mundo, para assegurar que os bancos sejam pagos, não importa a catástrofe social que resulte do arrocho, digo, da ‘austeridade’.

Essa longa história serve como contexto às políticas infligidas à Grécia. O ‘modelo’ norte-americano na América do Sul e na América Central era/é para instalar no poder, nos vários países, déspotas ‘pró-business’, cleptocratas nativos apoiados pela CIA, para que saqueiem ‘por dentro’ os próprios países, ao mesmo tempo em que mantêm a boa ordem favorável aos interesses das empresas norte-americanas. Dito ‘esquerdista’, mas sempre eficaz ferramenta neoliberal, o presidente Carlos Menem levou a Argentina ao fundo do poço da 
crise argentina no início dos anos [ver também “Memoria del saqueo” (2004), filme de Fernando “Pino” Solanas (NTs)]. Por ordens do FMI, Menem implementou políticas de ‘austeridade’ que levaram ao colapso da economia argentina e, na sequência, levaram ao colapso também de dois governos argentinos. Só quando o povo argentino rebelou-se e recusou a ‘austeridade’ imposta pelo FMI é que foi possível arrancar a Argentina do fundo do poço.
No Brasil, o ‘intelectual’ e ‘progressista’ que se curvou a todas as imposições do FMI, mostrou a bunda aos oprimidos e quebrou o país três vezes, foi Fernando Henrique Cardoso – como se vê, com todas as letras [letras excessivas, demasiadas, de vomitar], em https://www.youtube.com/watch?v=t_W4kkhJndI [NTs].

Assim também, o FMI teve participação ativa em grande parte da ruína econômica do leste da Ásia e da Rússia nos anos 1990s, com políticas ditas de ‘desenvolvimento’ baseadas em dogmas neoliberais apoiados em políticas de ‘austeridade’ [de fato, são política DE ARROCHO, não de ‘austeridade’] – até que tudo deu errado, como daria 
inevitavelmente errado. 

Embora houvesse sem dúvida muitos verdadeiros crentes entre os banqueiros que promoveram então o programa neoliberal, assim como também os há no Banco Central Europeu hoje, as políticas que de fato estavam sendo implantadas eram projetos de banqueiros, que só interessavam a banqueiros, programas de repagamento que bancos aplicam a devedores delinquentes sem qualquer atenção às implicações nas políticas públicas. Equivale a dizer que as teorias econômicas apresentadas como de apoio às políticas do FMI quase sempre eram ‘teóricas’, e exigiam que os países deixassem de considerar vários séculos de história imperial; e nunca se basearam em exame racional dos ‘fatos’.

Na Argentina no início dos anos 2000s praticamente não havia qualquer dúvida sobre os interesses aos quais o FMI servia. A dívida ‘pública’ que o FMI exigia que fosse saldada era na origem dívida privada, que foi socializada, riscos bancários e empresariais em geral convertidos em ‘deveres’ e ‘dívidas’ e ‘obrigações’ que passaram a pesar sobre todo o povo argentino, não muito diferente dos trilhões em ‘valores’ e depósitos bancários que os governos de George W. Bush e Obama desviaram de agências do governo federal dos EUA para salvar Wall Street em 2008. Essa ‘conversão’ de dívidas privadas em dívidas públicas é ‘item’ que nunca falta nos ‘planos’ neoliberais.

E a ‘privatização’ de ‘bens’ gregos que agora a coligação Syriza repudia, foi o mecanismo usado para saquear a Argentina pela mesma cleptocracia internacional, como política chave do FMI.

Tudo isso para sugerir que os programas de arrocho que a troika quer aplicar à Grécia pouco têm a ver com economia teórica e tudo têm a ver com as ambições imperiais do ocidente. As políticas podem parecer ‘lógicas’, como teoria econômica, mas é ‘lógica’ que emergiu de vários séculos de prática imperial.

Outro modo de ver as questões é perguntar onde o banco central dos EUA, o Federal Reserve, descobriu os $4 trilhões para comprar ativos financeiros nos seus programas de “Alívio Quantitativo” [orig. QE (Quantitative Easing)]?

O dinheiro apareceu ‘do ar’, mediante algumas entradas digitais contra os bens comprados. O Banco Central Europeu também se serve desse ‘Fiat moeda’; fabrica dinheiro à vontade. Se falta dinheiro para fechar o balanço nos livros do Banco Central, qualquer valor nominal, tipo a moeda de um trilhão de dólares de cocô-de-gato proposta já há algum tempo nos EUA cairá perfeita, como vinda do céu. A questão é que o Banco Central Europeu pode resolver tecnicamente – embora politicamente não possa fazê-lo -- a dívida pública grega, com algumas simples entradas.

Mas o caso é que a troika está usando a dívida como porrete político e econômico contra a Grécia, mais ou menos como aconteceu na Argentina nos anos  2000s e está acontecendo atualmente no caso dos EUA. O ‘déficit’ de orçamento que está sendo usado para vender ‘austeridade’ [de fato, é ARROCHO] é pura ficção, foi inventado. Não é que a contabilidade não seja ‘real’; é que aquela contabilidade representa mal o modo como os gastos do governo são realmente financiados, e é apresentada de modo deformado, para atender a interesses de grupos políticos no poder.

Gráfico (2) acima: assim como fatos imperiais são expostos por economistas e cientistas políticos como disputas entre teorias, como ‘escolhas políticas boas’ versus ‘escolhas erradas’, também se expõe como se fosse ‘coincidência’ que políticas fiscais que beneficiariam as classes pobres e médias seriam ‘impossíveis’ por causa de limitações de orçamento... MAS o Fed ‘encontrar’ $4,5 trilhões de dólares para comprar papéis e beneficiar os mais ricos é possível!
        Em décadas recentes, os ganhos de capital pelo aumento do preço de venda de bens por cortesia do Fed encaminharam-se quase exclusivamente para os mais-mais ricos. A
troika agora está pondo os contribuintes alemães em guerra contra os gregos ‘maus-pagadores’. Mas a verdadeira linha de combate está demarcada, isso sim, entre os banqueiros aos quais o Banco Central Europeu serve e o povo grego. Fonte: Emmanuel Saez.

O ponto de aproximar as vítimas de uma Grande Depressão forjada na Grécia com o suplício dos argentinos no início dos anos 2000s e com a subclasse sempre crescente dos muito pobres nos EUA é fazer-ver que os problemas são sociais – luta de classes, não alguma função de limitações materiais.

Cada uma dessas circunstâncias representa uma luta por recursos sociais; as diferenças são de distribuição econômica, não são limitações ‘naturais’. Os banqueiros do Banco Central Europeu podem até acreditar realmente que políticas de “austeridade expansionista” permitiriam aos gregos pagar dívidas impagáveis. Mas ao implantar políticas que tem história longa como políticas de saque, aqueles banqueiros tropeçam nessa história à qual devem satisfações.

A capitulação serial da chamada ‘esquerda europeia’ a essas políticas neoimperialistas só faz sentido se os líderes desses partidos ditos ‘de esquerda’ veem-se, eles mesmos, como ‘insiders’ do lado do império.

A situação agora é clara: ou o Sr. Tsipras e Syriza livram-se de vez dessas ilusões liberais, ou arrastarão o povo grego, junto com eles, para o fundo da cova.

A onda racista mal disfarçada que vem do norte da Europa e apregoa que o problema da Grécia é efeito de um “caráter nacional” encontra sua irmã gêmea nas elites norte-americanas, que veem o problema econômico como resultado do crescimento do número de pobres nos EUA. O modelo de Mitt Romney, dos “fazedores versus roubadores” é sabedoria consagrada nos guetos de banqueiros e altos executivos de empresas em todos os EUA.

Começa agora um esforço para auditar a dívida grega e compreender como, para quê, com que objetivo o país endividou-se. Enquanto cortavam-se serviços sociais na Grécia, prosseguiam os negócios de compra e venda entre o governo grego e empresas alemãs e francesas fabricantes de armas, tudo pago com o suor do povo grego. Quando se auditou a dívida argentina, descobriu-se que 70% do ‘devido’ era dívida inventada, resultado de fraudes, dívida privada tomada por interesses privados e no interesse de empresas privadas, convertida em dívida pública para roubar o povo argentino.

As políticas econômicas forçadas contra a Grécia estão sendo impostas em diferentes graus por todo o ocidente. Os sistemas de educação pública nas grandes cidades como Chicago, Filadélfia e Detroit estão sendo sistematicamente saqueados por ideólogos neoliberais e ‘gerentes’ que trabalham a favor do próprio interesse. A ideia é promover a ‘eficiência’ econômica como se fosse eficiência operacional: o mínimo serviço prestado, pelo máximo lucro auferido. Cortam-se aposentadorias sob o pretexto de que faltariam fundos, quando impostos e taxas concebidos para manter aquelas aposentadorias são desviados ou cortados para criar ‘mercados’ de onde os mais ricos podem arrancar lucros. E o governo Obama deixou milhões de famílias roubadas nos empréstimos de hipotecas predatórias com dívidas maiores que o valor das próprias casas, enquanto os bancos que fizeram os empréstimos-assaltos são ‘resgatados’ e voltam a operar normalmente.

Na Grécia, o Sr. Tsipras continua até aqui a dizer as coisas certas.[2] E o que está dizendo só é ‘radical’ no contexto da virada em direção à direita mais reacionária pela qual passa o neoliberalismo nos últimos 40 anos.

As políticas econômicas impostas contra a Grécia são mais draconianas que o que se vê no núcleo de EUA e Europa, mas só no grau, não no tipo. Wall Street, que inclui grandes bancos alemães e franceses sempre usaram crises inventadas para intervir em golpes ‘soft’ pelo mundo, ao longo de décadas. A dívida é usada como arma. O povo grego tem batalha muito difícil a enfrentar. Mas o golpe neoliberal é internacional e internacionalista. Norte-americanos e europeus do norte que creiam que estejam do lado ‘vencedor’ apenas ainda conservam o emprego e a poupança; até que também lhes sejam roubados.

Em maior ou menos grau, já somos todos gregos. ******

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