Adriano Benayon * - 15.12.2014
1.
O Brasil vive batalha decisiva de sua História: a da sobrevivência da
Petrobrás como empresa nacional. E isso com qualquer resultado, pois a
eventual derrota poderá ser o marco, a partir do qual o povo brasileiro
resolva partir para o basta e reverter o lastimável processo dos últimos
60 anos em que praticamente só acumula derrotas do ponto de vista
estrutural.
2.
Principalmente desse ponto de vista, porque, mercê da estrutura que se
formou na Era Vargas, ainda foram colhidas - por muito tempo e até os
dias de hoje - grandes vitórias em termos de desenvolvimento de
tecnologia e capacidade produtiva no País.
3.
O progresso estrutural do Brasil ocorreu, até 1954, não apenas em
função de investimentos do Estado, mas também por ter este agido como
promotor da indústria privada, tendo, antes daquele ano fatídico,
surgido firmas nacionais de ótima qualidade, algumas das quais já se
tinham tornado grandes.
4.
Essas foram as primeiras e grandes vítimas do modelo de dependência
financeira e tecnológica adotado desde 1955 e no quinquênio de JK,
quando o Estado, foi usado como promotor da desnacionalização da
indústria, o que gradualmente levou à da dos demais setores da economia.
5.
Os governos militares (1964-1984), embora se tenham submetido às regras
e imposições do sistema financeiro mundial - criaram estatais
importantes, como a EMBRAER, em 1969, possibilitada pela criação do
Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em 1946, e do Instituto Tecnológico
da Aeronáutica (ITA), em 1950.
6.
A EMBRAER foi uma das inúmeras grandes estatais criminosamente
privatizadas pela avalanche de corrupção dos anos 90, que atingiu também
a TELEBRÁS, fundada em 1972, a qual igualmente gerara excelentes
resultados em produções realizadas com tecnologia nacional, e foi
totalmente esvaziada pelas concessões entreguistas do sistema de
telecomunicações.
7.
Em 1990, Collor, o primeiro presidente eleito pelo voto direto – de
resto, mediante incríveis manipulações, negadoras da essência da
democracia – encaminhou a Lei de Desestatização, juntamente com denso
pacote de legislação antibrasileira, formulado em Washington e
meteoricamente aprovado pelo complacente Congresso.
8.
Interessante que os governos militares – não só haviam mantido as
estatais da Era Vargas - mas criaram várias outras. Entretanto, os
indivíduos ideologicamente amestrados atribuem comunismo ou esquerdismo
aos que, em favor do desenvolvimento, reconhecem a importância de
empresas e de bancos estatais.
9.
Se não estivessem mentalmente controlados pelo sistema de poder mundial
veriam que as estatais, além do que realizam diretamente, são
fundamentais para viabilizar, ao abrir concorrências, encomendas e
financiamento a empresas privadas nacionais, que, com isso, geram
empregos qualificados e elevam o padrão tecnológico do País.
10.
Ademais, acabar com as estatais significa deixar à mercê dos carteis e
grandes grupos privados o grande espaço estratégico – como é o caso da
indústria do petróleo e derivados – inevitavelmente ocupado por empresas
de grande porte, nos quais a dimensão inviabiliza a concorrência
honesta entre empresas privadas.
11.
Antes de explicar por que a corrupção não é inerente à natureza das
estatais – ao contrário do que imaginam os impressionados pelos
inegáveis escândalos de corrupção que têm assolado a Petrobrás – convém
lembrar a incoerência dos que se escandalizam com a brutal concentração
de renda, cada vez mais acentuada em todo o mundo, e propõem
privatizações, cujo efeito tem sido tornar a concentração econômica
ainda mais aguda e sociamente insuportável.
12.
De fato, todos estão tendo acesso a informações de que, neste mundo de
mais de seis bilhões de habitantes, pouco mais de cinquenta grupos
financeiros controlam praticamente todas as transnacionais em atividade
no Planeta. Fosse isso pouco, o analista da moda, Thomas Piketty, tem
observado que a concentração de riqueza tem sido grandemente
subestimada, mesmo nos países sedes da oligarquia financeira mundial.
13.
E por que foi implantada a corrupção na Petrobrás? Porque a estrutura
de poder político já se tornara dominada pelos interessados em
desmoralizá-la e eventualmente privatizá-la e/ou liquidá-la. Amiúde, o
primeiro passo dos agentes imperiais é minar e desmoralizar a
administração estatal, para justificar a privatização.
14
De fato, a corrupção foi intensificada durante governos aqui instalados
(Collor e FHC) com o projeto de tornar definitivo e irreversível o
atraso do Brasil e sua submissão aos centros de poder mundial, na vil
posição de fornecedor de recursos naturais, presidindo a abertura de
buracos no lugar das estupendas reservas de minerais estratégicos e
preciosos, sem que isso sequer impedisse o crescimento vertiginoso dos
déficits de comércio exterior e do endividamento público.
15.
A desnacionalização predadora não começou com os dois que foram os
primeiros eleitos sob o novo regime pretensamente democrático. Mas eles
fizeram profundas reformas na estrutura de mercado – com o usual
beneplácito do Congresso - para torná-la ainda mais talhada de acordo
com os interesses dos carteis transnacionais. E o PT não fez reverter
essa tendência.
16.
Em relação à Petrobrás, FHC promoveu a aprovação da Lei 9.478, de
06.08.1997, que eliminou, na prática, a norma constitucional do
monopólio da União na produção, refino e transporte do petróleo, não
formalmente revogada.
17.
Essa lei permitiu, assim, a exploração de imensas jazidas descobertas
pela Petrobrás na plataforma continental, por carteis transnacionais,
liderados pelas gigantes empresas angloamericanas - que, há mais de um
século, têm preponderado no produto de maior expressão no comércio
mundial.
18.
Ademais, dita Lei criou a Agência Nacional do Petróleo (ANP) no esquema
de esvaziar a administração do Estado, terceirizando-a para agências
ditas públicas, dotadas de autonomia e postas sob a direção de
executivos e técnicos ligados à oligarquia financeira angloamericana.
19.
Um desses, genro de FHC, David Zylberstajn, foi nomeado diretor-geral
da ANP. Como lembrou o engenheiro Pedro Celestino, em excelente artigo,
teve início, sob o comando de Zylberstajn, ”o leilão das reservas de
petróleo brasileiras, em modelo que não se aplica no mundo desde o
primeiro choque do petróleo, permitindo à concessionária apossar-se do
petróleo produzido, remunerando o Governo com royalties, ao invés de
receber por prestação de serviços.”
20.
As constatações de corrupção nas encomendas da Petrobrás - em
inquérito da Polícia Federal, ainda não terminado - estão servindo de
tema para a campanha de desestabilização e impeachment da presidente da
República, e também de argumento favorável à privatização.
21.
Nenhum desses objetivos sustenta-se em bases justificadas, pois o autor
da delação premiada tornou-se diretor da Petrobrás no governo de FHC,
mentor do partido que se pretende beneficiar com a derrubada de Dilma
Roussef ou sua transformação em títere completo do capital estrangeiro, o
qual tem no PSDB seus principais serventuários locais.
22.
Ademais, o delator Paulo Roberto Costa praticou, ele mesmo, os crimes
que denuncia, em prejuízo do patrimônio público e em ofensa à
moralidade da Administração, como também cometeram políticos de diversos
partidos que têm exercido cargos diretivos na Petrobrás.
23.
Paulo Metri, outro competente e experiente engenheiro da Petrobrás,
reafirma ser indispensável investigação profunda na estatal. Ressalva,
porém, que a exposição antecipada de fatos investigados pode ter tido
por meta somente derrubar as intenções de votos pró-Dilma.
24.
Assinala que a presidente não tolheu as ações da Polícia Federal, nem
tem um engavetador para sumir com os processos. Nota: alusão ao PGR de
FHC, conhecido como engavetador-geral da República.
25.
Metri considera imprescindível punir, com rigor, os agentes públicos
comprovadamente corruptos e também os esquecidos corruptores. Até
porque, mais que o desvio de dinheiro, a corrupção com a Petrobrás
atinge a auto-estima de que o País precisa para realizar seu projeto
nacional.
26.
Em relação à Petrobrás, é fundamental corrigir os vícios nela
implantados e viabilizar seus investimentos, cuja enorme rentabilidade
está assegurada em função das colossais descobertas que a estatal obteve
na plataforma continental e no pré-sal.
27.
A Petrobras – aduz Metri - tem vencido obstáculos, como extrair, de
grandes profundidades e a distâncias da costa cada vez maiores, petróleo
escondido abaixo de camadas incomuns, mercê de tecnologias especiais
desenvolvidas por técnicos da estatal.
28.
A qualidade destes depende da motivação e de que não sejam preteridos
por políticos em cargos de direção nem por terceirizados.
29.
Celestino e Metri lembram que FHC elevou desmesuradamente o salário de
gerentes e superintendentes, o que os fez, por demais, temerosos de
perder seus empregos, e omissos em resistir contra decisões suspeitas,
tal como ocorre com terceirizados. Ademais, FHC liberou a Petrobrás de
cumprir a Lei de Licitações, apoiado por decisão do ministro Gilmar
Mendes, no STF.
30.
Não basta para reverter o descalabro, evitar que Dilma seja substituída
por alguém mais propenso a aceitar as imposições imperiais. Há que dar
passos na restauração da soberania nacional, ferida inclusive pela
alienação, quase graciosa, de 40% das ações preferenciais da Petrobrás,
após a promulgação da Lei 9.478/1997, e pelos leilões do petróleo da
plataforma continental e do pré-sal, nos governos do PT.
* - Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário