Onde o PT pode escapar da sua própria fábrica de alienação
7 de outubro de 2014 | 20:38
Autor: Fernando Brito
Um fato foi, essencialmente, o responsável pela condução do governo
de orientação popular e inclusiva a uma situação de risco eleitoral.
O produto da inclusão, sem política e politização, é uma classe média
sem valores senão os imediatos, como são os próprios do consumo e com
uma moralidade que tudo tolera na apropriação privada da riqueza e vê no
Estado – mudo ou com um discurso pasteurizado – apenas um serviçal (ou
um estorvo) e não o indutor de sua própria ascensão.
Num ótimo artigo sobre este tema,
o professor de Comunicação Wilson Roberto Vieira explica: “Na medida em
que a cidadania é reduzida ao consumo como signo da mobilidade social, a
ideologia que vai dar a “liga” para esse imaginário é a meritocracia: a
crença de que sua suposta ascensão social foi conseguida graças ao
mérito do estudo e melhora da capacitação profissional por caminhos
duros e sofridos de renúncia e poupança – a única forma do salário
almejar alguma ascensão real, renunciando a necessidades de reprodução
da própria força de trabalho alimentação, entretenimento, cultura etc.”
Um outro fato, de sentido inverso, é a tábua de salvação – e creio
que será salvadora, mesmo – deste mesmo governo de sentido popular e
inclusivo: a memória da população que, embora esmaecida por mais de uma
década de mudanças, só é capaz de percebê-las quando diante da
possibilidade de volta ao passado, muito mais que da percepção de uma
caminhada ao futuro.
Não é hora nem lugar para analisar o processo que, em dois parágrafos é tão resumido quanto perceptível.
Não há a menor dúvida de que o caminho da reeleição da Presidenta
Dilma passa muito menos pela percepção de que os avanços sociais se
deveram às efetivas ações desenvolvimentistas e de promoção social que
ela realizou, em continuidade a Lula do que pela sobrevivência, impressa
na memória do povo brasileiro, do que foram os anos FHC.
A discussão ideológica não é um “capricho” de esquerdistas idosos,
mas uma ferramenta de interpretação da realidade, uma bússola em meio
aos nevoeiros e às cortinas de fumaça construídos pelo o intocado
aparato – monolítico e imperial – de uma mídia oligárquica.
Uma ferramenta da qual se abriu mão, salvo por momentos, em nome de uma “política propositiva”.
A campanha eleitoral, como o papel, aceita tudo. Do 13° do Bolsa
Família à promessa de reduzir a inflação a 3% e produzir polpudos
superávits primários sem fazer arrocho no salário, no crédito e cortes
nos gastos sociais.
Muito bom se fosse diferente, mas não é, porque a dominância do
discurso conservador, aceito passivamente na tentativa de agradar a
todos e a tudo institucionalizar na forma “republicana”, como se as
formalidades republicanas, de per si, um dia houvessem trazido justiça e
progresso social.
Essa será, se a quisermos vencer, de novo e outra vez, uma eleição
que depende de que este país se absorva da ideia de que não é o mérito
individual o motor do progresso social, embora faça parte dele.
Deixou-se de dizer e mostrar ao povo brasileiro que ele veio, no
pouco que temos, de um processo de lutas sociais que atravessa séculos e
que nunca se deu sem confrontar o ranço das elites.
O PT e seu Governo devem olhar bem para o que são e para com quem
conta, nas horas do combate e deixar de lado a pretensão de ser de
”todos”, algo que se esfumaça a cada embate, um vício que Darcy
Ribeiro selou com a frase sobre querer ser “a esquerda que a direita
gosta”.
Porque, afinal, a direita não gosta dela, não.
Tanto que despreza e odeia, mesmo quando seus privilégios são intocados.
A classe dominante brasileira é burra, tão burra que não quer ser a elite de um país imenso.
Prefere ser o capataz de uma colônia.
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