Raul Longo
Na literatura brasileira há uma evocação a Hugo Chávez resumida numa frase: “Meninos, eu vi!”
Aqueles
que sabem que “o herói de nossa gente” em verdade foi baseado em um
mito indígena venezuelano, logo imaginarão que estou me referindo ao
Macunaíma. E confirmarão esta certeza se também souberem que Mário de
Andrade reproduziu no herói de sua rapsódia a irreverência do Oswald de
Andrade.
Como
Oswald e Hugo Chávez, Macunaíma também falava o que lhe vinha à cabeça e
não tinha pejo nenhum em blefar para confirmar suas certezas e
convicções.
Célebre,
por exemplo, o recurso utilizado por Oswald numa roda de intelectuais
integrantes da Semana de Arte Moderna, para convencê-los de sua
afirmação: “Villa Lobos é melhor do que Stravinsky”.
A
turma até concordava com a qualidade musical das composições do
brasileiro, mas daí a sobrepô-lo ao maestro russo, então o mais
apreciado em todo o hemisfério norte, não se pôde aceitar.
Sem respaldo em conhecimentos musicais quanto em talento literário, Oswald não se apertou nem ficou por baixo: “- É sim, porque o Mário disse.”
Aí
a conversa era outra! Se Mário disse, tá dito. Afinal, de todos, nenhum
tinha mais autoridade do que Mário de Andrade que nem músico era, mas
ainda hoje o registro de suas pesquisas é básico para quem queira
estudar a expressão musical brasileira.
Quietos, porém de indignação latejando, foram lá reclamar com o Mário pela conclusão que a eles se evidenciava excessiva.
Preocupado com a própria imagem de douto no assunto, Mário ligou para o primo: “- Como é que você afirma que eu disse que o Villas é melhor do que o Stravinsky, se nunca falei nada disso!”
Do outro lado da linha a resposta foi curta e sintomática: “- Eu menti!”
Mais tarde, ao compor a obra, Mário de Andrade pôs essa sincera reconhecimento na boca do Macunaíma, o herói sem nenhum caráter.
Os
apressados já vão achar que estou acusando o Hugo Chávez de falta de
caráter, comparando-o ao Oswald e a todo o povo latino americano,
inclusive à nossa gente brasileira.
Pergunto-lhes:
de quem é o caráter? Daqueles que ainda hoje macaqueiam e só reconhecem
valores no que é de fora, de lá do norte, lá de acima da linha do
Equador?
Aí
é que me pego com a hipocrisia da ética cheia de “ós” e “us”, própria
dos incapazes de se reconhecer num “i” quando desmascarados em suas
mentiras de quererem bancar os de lá, sem serem de lugar algum.
Como fazer enxergar a essa gente que aqui não consegue se reconhecer, de nossos próprios valores? Como lhes arrancar o cabresto?
Para
que deixassem de se ensurdecer pelos ventos das estepes siberianas e
escutassem em suas almas a poesia do resfolegar e do apito do trenzinho
caipira, Oswald teve de mentir àqueles intelectuais. E por que é ao
Macunaíma que conferem falta de caráter?
Se
à picardia e inventiva de Macunaíma para recuperar sua muiraquitã,
enfrentando o gigante Piamã, é o que se acusa de ausência de ética e
caráter; que se explique qual a ética e o caráter dos baba ovos de
Venceslau Pietro Petra.
Mas nem é aos esforços do Oswald ou à sagacidade de Macunaíma que comparo o heroísmo de quem mandou a “Alca al carajo!”, mas à uma obra do romantismo ao qual os modernista se opuseram: o Y Juca Pirama do Gonçalves Dias.
Quem
conhece a obra e sua história também acusará de exagerada essa minha
exaltação à Chávez, achando que o comparo ao guerreiro Tupi que no Canto
IV chora e clama por sua vida aos inimigos Timbiras para poder cuidar
do pai cego. Ou haverão de imaginar que o comparo àquele pai
envergonhado maldizendo a covardia do filho e que no Canto VII implora
aos Timbiras pela execução do filho.
Nada disso! Em verdade nem é ao Chávez que comparo a algum dos personagens do Y Juca Pirama. Comparo, sim, aos seus inimigos. Àqueles que nunca imaginaram serem mandados “al carajo” por um governante latino americano.
E
os sabujos dos inimigos de Chávez, como bons baba ovos de Piamãs, que o
acusem de mentiroso ou farronqueiro, pois a missão do venezuelano foi
cumprida. E seus inimigos lá no hemisfério norte por muitas noites vão
contar de um guerreiro que os enfrentou como nunca imaginaram serem
enfrentados no quintal da latino-América.
Quando
os de suas futuras gerações duvidarem, repetirão como fez o velho
Timbira na conclusão do Canto X da obra do Gonçalves Dias:
“- Meninos, eu vi!”
Ao
serem babados, os ovos obstruem a visão dos que não reconhecem suas
gentes e suas tribos, mas nem por isso se pense que os Timbiras do
hemisfério norte sejam cegos. E que à Venezuela não falte Macunaímas
como Hugo Chávez, um herói da realidade de nossa gente latino-americana.
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