Por Raul Longo
Quantas
vezes por dia você ouve os apresentadores do Jornal Hoje, Jornal Nacional e
Jornal da Globo dizer que a presidenta da Argentina atenta contra a liberdade de
imprensa daquele país?
Já parou
para se perguntar porque a Rede Globo com todas suas emissoras de rádio e TV,
jornais impressos e revistas defendem tanto o Clarín, principal grupo de
comunicação da vizinha Argentina?
Conheça
aqui um pouco da história desse empresa que lá corresponde ao significado das
Organizações Globo para o Brasil e compreenda com mais clareza do que pretendem
lhe convencer.
Com reportagem de Erico Nepomuceno
sob o título de O Leviatã Midiático, CartaCapital n˚729 mostra a formação do
Clarín, símbolo maior do oligopólio dos meios de comunicação. É
assustador!
“Por trás desse conglomerado
gigantesco, além do mais, há histórias escabrosas. O jornal Clarín surgiu em
1945, de forma relativamente modesta. Seu fundador, Roberto Noble, era um
fervoroso admirador de duas figuras que haviam marcado época e deixado um rastro
de barbaridades: um italiano chamado Benito Mussolini e um austríaco chamado
Adolf Hitler.
Terminada a Primeira Guerra Mundial,
vencidos e mortos os dois, Noble achava que parte de suas ideias merecia ser
resgatada. Quando Juan Domingo Perón foi derrubado por um golpe militar em 1955,
o Clarín demonstrou claras simpatias pelo novo regime. E assim foi. Havia outros
grandes jornais que faziam pesada sombra. E se hoje é um dos diários de maior
circulação na América Latina, até a última ditadura argentina (1976-1983) nunca
deixou de ser um jornal de segunda linha, sem a tradição do conservador La
Nación ou a ousadia de publicações que inovaram a imprensa do país, como a
revista Primera Plana dos anos 60 ou o jornal La Opinión dos primeiros anos 70.
Na ditadura, o jornal ganhou corpo e
voz. E tornou-se um grupo importante, graças às manobras de seu executivo,
Héctor Magnetto, que começou como contador e hoje é o segundo maior acionista da
empresa. Além da cumplicidade aberta com o regime genocida, o jornal – ao lado
do vetusto La Nación e o popularesco (hoje desaparecido) La Razón – conseguiu um
maná a preço de banana: apoderar-se do Papel Prensa, única fábrica papeleira da
Argentina. A apropriação é uma das tantas histórias de horror absoluto da
ditadura iniciada pelo general Jorge Rafael Videla e continuada por outros
adeptos da barbárie como meio de vida.
A Papel Prensa era, por certo, um
negócio confuso. Foi fundada durante os efêmeros governos peronistas por um
jovem e ousado financista, David Graiver, que contava com o apoio de José
Gelbard, ministro de Economia de Héctor Cámpora e do próprio Perón. Graiver
morreu num misterioso desastre aéreo no México, em agosto de 1976, quando a
ditadura encabeçada por Videla cumpria cinco meses de horror. Sua viúva, Lidia
Papaleo de Graiver, e a filha eram as herdeiras majoritárias, além de outros
familiares do marido.
Naquele período, além de torturar,
assassinar, desaparecer e mandar para o exílio dezenas de milhares de
argentinos, os militares se distraiam apoderando-se dos bens de suas vítimas.
Gravier era especialmente odiado. Além de judeu, era considerado (e muito,
possivelmente com razão) o administrador da fortuna do grupo guerrilheiro
peronista Montoneros, criada a partir de resgates milionários obtidos em
sequestros. A Papel Prensa era um butim muito ambicionado.
Logo depois da morte de Graiver, sua
viúva voltou para a Argentina. Queria cuidar das propriedades do marido morto.
Foi quando conheceu a face cruel da ditadura e o rosto macabro de Magnetto.
Presa, foi pressionada a vender as ações da Papel Prensa para um trio formado
pelo Clarín, o La Prensa e o La Razón, além de uma participação que permanecia
nas mãos do Estado.
Fragilizada, Sob todo tipo de
pressão – ameaçavam matá-la e desaparecer com sua filha, na época um bebê de 1
ano de vida -, capitulou. Vendeu suas ações e recebeu como sinal cerca de 8 mil
dólares. O resto – outros 2 milhões, preço insignificante diante do que a Papel
Prensa realmente valia – nunca foi pago. Até hoje ela move, na Justiça
argentina, um processo na tentativa de receber o combinado. Neste ano, diante de
um tribunal, ela contou como foi a venda e, principalmente, o que aconteceu em
seguida.
Disse que pouco depois de ter
assinado a papelada, foi presa. Há razões para que a prisão acontecesse depois
da venda da Papel Prensa. Uma lei determinava que os bens dos subversivos presos
ou mortos passassem diretamente às mãos do Estado. A ditadura queria compensar
seus aliados da mídia. Prender Lidia Papaleo significaria passar a única fábrica
de papel do país para o Estado. Feita a transação, sobrava uma viúva jovem,
atraente, e certamente dona do segredo de outros milhões de dólares. Seus
algozes queriam encontrar o dinheiro deixado por Graiver.
Diante do tribunal, Lídia Papaleo
contou como foi violada, agredida, vexada. Teve o tímpano arrebentado a golpes
de mão aberta contra o ouvido. Muitas vezes, depois de estuprada, era levada de
volta para a cela e jogada, nua, no chão. “E então, contou ela ao juiz, “eles
vinham e cuspiam, urinavam e ejaculavam em cima de mim”. Contou que até hoje, em
seus pesadelos, revê o rosto de seus torturadores. E disse que nenhum desses
rostos a amedronta mais do que o do homem que a pressionou para assinar os
documentos da venda da Papel Prensa. Os olhos do homem que dizia, com uma voz
serena e calma, que ou ela assinava, ou veria sua filha ser morta, antes de ela
mesma ser assassinada.
Esse homem chama-se Héctor Magnetto
e é o presidente do Clarín, do qual detém 33% das ações.
Graças a ele e aos seus métodos, o
grupo tornou-se o que é hoje. É ele o patrão dos paladinos que dizem e asseguram
que a Lei de Meios é um atentado à liberdade de expressão. É à sua voz que fazem
eco os conglomerados de comunicação do Brasil.
Cristina Kirchner acaba de cumprir o
primeiro ano de seu segundo mandato, envolvida numa briga tremenda com o grupo
capitaneado por semelhante personagem.
O país enfrenta, seu governo também
enfrenta, é verdade, um amontoado de problemas significativos. A inflação está
em níveis elevadíssimos (deve rondar ou superar a marca dos 25%, em 2012), a
economia apenas engatinha após anos de forte impulso, a classe média
concentrada, principalmente, em Buenos Aires, e que sempre expressou contra o
peronismo algo muito parecido ao preconceito (quando não ao ódio) de classe, se
opõe de maneira cada vez mais radical a tudo que seu governo faz.
Há acusações de corrupção, e,
certamente, uma parte consistente delas tem fundamento. Os investidores
desconfiam de suas ações, algumas multinacionais abandonam o país, há sérias
dificuldades para obter divisas e honrar os compromissos
internacionais.
Nada disso parece insolúvel. Se ela
conseguir, e tudo indica que conseguirá, desmontar um conglomerado ávido e
feroz, que nasce a partir de uma história de horror e indecência, terá deixado
uma significativa marca. E um exemplo – outro – para os vizinhos: da mesma forma
que é possível resgatar o passado e fulminar a impunidade de quem cometeu crimes
de lesa-humanidade, é possível desmontar os monopólios e democratizar a
informação.”
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